Mauriti e Milagres mantêm importante riqueza arqueológica
Apesar de pouco conhecido, este patrimônio se encontra ameaçado. Um dos sítios arqueológicos, inclusive, foi danificado por pichação. Ideia é que, a longo prazo, isso faça parte de um circuito de turismo científico.
Em Milagres, na comunidade Capim/Pedra Grande, há um complexo com quatro sítios arqueológicos de arte rupestre, um vizinho ao outro. A região, que é próxima ao Riacho dos Porcos, pode apontar como estes homens adentraram na Chapada do Araripe seguindo o percurso dos rios. “Por isso, associa que esta arte traduz uma identidade gráfica, que são adores das águas e das pedras”, conta a arqueóloga Heloísa Bitu, que faz parte do Instituto de Arqueologia do Cariri.
No processo migratório, estes grupos seguiam o caminho das águas e poderia entrar pela parte leste do Vale, vindo da região da Bahia ou da Paraíba. Nos sítios Capim, em Milagres, os desenhos têm uma associação ainda com a tradição geométrica que tem relação com o sudoeste do Piauí, semelhantes às que são encontradas na Serra da Capivara. “Esse tipo de representação é simples em representar a figura humana. Como há sobreposição de registros, associa-se que foram grupos diferentes, porque não houve um respeito ao que já estava plasmado. São grupos distintos, de identidades gráficas distintas”, diz Heloísa Bitu.
Já em Mauriti, as figuras estão gravadas na chamada Pedra do Letreiro, numa localidade rural a cerca de 9 quilômetros da sede da cidade. Lá, os desenhos também são antropomorfos, mas bem mais detalhados. “O corpo, a cabeça, o braço, inclusive montado em posições. Figuras com mãos nas cinturas, com vestimentas, uma espécie de cocar. Uma figura emblemática é o dorso contra dorso, duas figuras humanas de costas para outra. Isso lembra muito as figuras da Serra da Capivara. Claro, não sabemos o que vem a significar, mas como se repetem, se trata de uma representação importante”, descreve a arqueóloga.
Para a pesquisadora, esta diversidade gráfica na parte leste do Cariri é interessante e mostra como era diferente a forma de vários grupos se representarem, indicando este processo migratório até o território da Chapada do Araripe.
Apesar disso, ainda não há um estudo preciso que aponte o período desta ocupação. O único trabalho de datação relativa no Sul do Estado foi realizado no sítio Olho D’água de Santa Bárbara, em Nova Olinda, que estima a passagem deste grupo há 3.100 anos. “Mas o Cariri foi ambiente de sobrevivência de diversos grupos, já no período holoceno”, pondera Bitu.
Ameaça
O biólogo Jonas Fernandes, morador de Milagres, teve seu primeiro contato com os sítios arqueológicos em 1997 e, até então, estavam intactos. “Não tinha vestígio da presença humana por desmatamento, depredação”, conta. Com o crescimento populacional próximo à comunidade do Capim e a criação de uma estrada de manutenção da rede de energia comprometeu a integridade de um dos sítios, com pichações em tinta óleo no mesmo local onde estavam as figuras. “Eram pinturas da tradição agreste, representação em traços geométricos”, conta Jonas Fernandes.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) foi notificado deste dano feito ao sítio. Apesar disso, Bitu acredita que, mais importante que uma ação punitiva, seria a educação patrimonial. “Reunir as pessoas, conversar com moradores, com a comunidade, entender porque é importante preservar. Muitas vezes não sabem nem o que é”, admite Bitu.
O Instituto de Arqueologia do Cariri vai buscar a restauração com profissionais da área. “A gente vai enviar um projeto para Iphan apresentando os problemas. É o único do Cariri que sabemos que houve isso”, antecipa o biólogo.
Os demais sítios de Milagres, acredita Jonas, se encontram preservados por estarem em locais de difícil acesso e porque um dos proprietários é mais consciente, a partir de um trabalho de convencimento que acontece há muito tempo. “Ele não permite acesso de todo mundo e isso contribuiu. Também, no período mais seco aparecem ninho de vespas e, na chuva, a vegetação fica mais densa”, completa Fernandes.
Riqueza
Apesar de garantir que o poder público tem conhecimento desta riqueza, pouco se avançou no trabalho de preservação. A ideia do biólogo era que se fosse criado um Museu de Arqueologia e História em Milagres, município que reúne 11 sítios arqueológicos cadastrados no Iphan, podendo ter o acréscimo de mais dois no ano que vem, que ainda estão em trabalho de prospecção. Além de arte rupestre, há registros cerâmicos, com panelas, cachimbos, e históricos, onde foram encontrados brasões e moedas antigas.
O secretário de Infraestrutura, Meio Ambiente e Serviços Públicos de Milagres, Ailton Crisóstomo, ressaltou que são feitos trabalhos de incentivo à preservação nas comunidades onde os sítios se encontram junto aos seus moradores. “Temos uma equipe que visita. Nosso Conselho Municipal de Meio Ambiente também é muito atuante”, ressaltou. Inclusive, segundo ele, o Município luta para estar sob sua administração um sítio na comunidade de Olho D’água Cumprindo, que apesar de pertencer ao seu território, hoje é gerido por Missão Velha.
O historiador Evanildo Simão, de Mauriti, acredita que ainda falta um trabalho educativo na parte patrimonial em seu município. “O poder público estava com projeto praticamente pronto, mas não enviou projeto base e perdeu. “Lá, poderia ser instrumento de capacitação, formatação de novos atores na área arqueológica. Seria importante para a população perceber a importância e entender como se deu o povoamento da região”, observa. Nossa equipe de reportagem entrou em contato com o secretário de Agricultura e Meio Ambiente de Mauriti, Cartaxo Lucena, mas não tivemos retorno até a publicação desta matéria.
Pioneirismo
Hoje, o Instituto Arqueológico do Cariri, que monitora estes sítios, acredita que não estão prontos para serem abertos para visitação. “Poderia gerar uma visitação desordenada”, acredita Bitu. Por isso, está com um projeto piloto no sítio arqueológico de Santa Fé, em Crato, que em 2021 poderá estar pronto para este intuito. Até fevereiro, o projeto deve ser protocolado junto ao Iphan. “Para os outros sítios, a gente acredita que vai recolhendo esta experiência no Santa Fé e levando para outros”, finaliza Bitu.
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