As investigações que desarticularam um suposto esquema de corrupção na Divisão de Narcóticos do Ceará, falsos policiais agiam com os verdadeiros agentes para atrair os traficantes que seriam alvos das extorsões

Policiais civis foram afastados do cargo e outros removidos por ordem judicial

Após seis meses de investigação sigilosa, com escuta telefônica dos suspeitos autorizada pela Justiça, a Polícia Federal concluiu que policiais civis lotados na Divisão de Combate ao Tráfico de Drogas  (DCTD) montaram uma rede criminosa de extorsão a traficantes que incluía até falsos agentes, conhecidos na linguagem policial como “almas”. A função deles era servir como “isca” para atrair os traficantes que seriam extorquidos com ameaças de prisão caso não pagassem a propina aos agentes da DCTD.

A investigação apontou que os “almas” marcavam encontros com os traficantes para comprar drogas. Quando estes apareciam no local marcado para entregar os entorpecentes, eram surpreendidos com a chegada dos policiais da DCTD ou “Narcóticos”. A partir de então, começava a negociação e as ameaças para que os bandidos entregassem as drogas e a propina exigida pelos policiais.

Segundo a PF, em várias ocasiões, os policiais recebiam a propina e levavam também as drogas, liberando os traficantes. Outras vezes, prendiam os acusados, mas formalizavam nos autos do flagrante apenas a apreensão de apenas uma parte da droga encontrada com os presos. O restante dos entorpecentes,  usavam depois para vender ou mesmo forjar flagrantes contra outras pessoas.  Na casa de um dos policiais, os agentes da PF apreenderam, nada menos, que R$ 340 mil em espécie, que seriam, supostamente, dinheiro fruto das extorsões.

Escuta telefônica

Além dos delegados Patrícia Bezerra de Souza Dias Branco, Anna Cláudia Nery da Silva e Lucas Saldanha Aragão, a PF obteve na Justiça a autorização para a escuta telefônica (quebra de sigilo) de  todos os agentes e “almas” suspeitos de formar um suposto esquema criminoso de corrupção nas atividades de rua e no âmbito da Narcóticos.

Foram identificadas nas diligências da PF, pelo menos, cinco “almas” que tinham a função de “conseguir contatos com traficantes e simular compra de drogas, sendo que no momento da entrega da referida droga, era abordado  na companhia dos traficantes a serem extorquidos. Contra estas pessoas há, inclusive, a suspeita de que seriam responsáveis pela futura venda da droga ilícita desviada.

As “almas” identificadas pela PF são: Francisco Antônio Duarte, Felipe Rodrigues da Silva, José Ricardo do Nascimento, Paulo Sérgio Mariano de Sousa (pai de Felipe) e uma pessoa que atende pelo apelido de “Ju” e que seria de confiança de Felipe. Alguns deles foram presos durante a operação da PF realizada nesta quarta-feira (6).

Ainda de acordo com as investigações da PF, os policiais envolvidos diretamente nas extorsões aos traficantes são: Petrônio Jerônimo dos Santos, Antônio Chaves Pinto Júnior, Raimundo Nonato Nogueira Júnior, José Audízio Soares Júnior, Fábio Oliveira Benevides, Rafael de Oliveira Domingues, Antônio Henrique Gomes de Araújo, Antônio Márcio do Nascimento Maciel, Francisco Alex de Souza Sales, Gleidson da Costa Ferreira, Fabrício Dantas Alexandre, Alexandra Maia Ximenes e João Felipe de Araújo Sampaio Leite.  “estes, estão envolvidos nas práticas criminosas investigadas e contam com o apoio da chefia, no caso a delegada Patrícia Bezerra de Sousa Dias Branco, Lucas Saldanha Aragão e Anna Cláudia Nery da Silva”, assinala a PF.

Chefe do bando?

Em outro ponto da investigação federal, o inspetor Petrônio Gerônimo Santos é apontado como a pessoa que, “exerce papel de liderança no esquema criminoso”.

A Polícia Federal chegou a encaminhar ao Ministério Público Federal o pedido formal para o afastamento das funções de todos os citados, contudo, o MPF analisou o conjunto de provas e requisitou à Justiça que seis dos investigados fossem apenas removidos para outras unidades da Polícia Civil  e passassem a exercer apenas atividades burocráticas, relacionadas apenas à administração, entre elas, a delegada Anna Cláudia.

O juiz Danilo Dias Vasconcelos de Almeida determinou, então que, além da delegada Anna Cláudia, fossem  somente remanejados para outras delegacias, através de “remoção compulsória”, os seguintes policiais: Alexandre Maia Ximenes, Raimundo Nonato Nogueira Júnior, João Felipe de Araújo Sampaio Leite, Gleidison da Costa Ferreira e Fabrício Dantas Alexandre.

Foram afastados do cargo, pelo prazo de 90 dias, a delegada Patrícia Bezerra, o delegado Lucas Saldanha Aragão  e os inspetores Antônio Chaves Pinto Júnior, José Audízio Soares Júnior, Fábio Oliveira Benevides, Antônio Henrique Gomes de Araújo, Francisco Alex de Souza Sales, Antônio Márcio do Nascimento Maciel, Petrônio Gerônimo dos Santos e Rafael de Oliveira Domingues. Todos tiveram que entregar à PF seus distintivos, identidade funcional, armas, coletes e outros equipamentos pertencentes à Polícia Civil.

Filmados

Imagens obtidas pela PF mostram a ação dos policiais em situações que, supostamente, seriam de momentos em que os agentes praticavam as extorsões aos traficantes.

Em uma dessas ocasiões, um grupo de inspetores da  Narcóticos é filmado no dia  18 de maio de 2015, entrado e saindo do apartamento do português Carlos Miguel de Oliveira Pinheiro com mochilas, sacolas e uma mala.  Na delação premiada ao Ministério Público, o português revelou que aquela foi a primeira extorsão que sofreu dos agentes. De lá, os inspetores teriam levado cerca de R$ 90 mil em espécie, além de anabolizantes e perfumes importados, celulares e até lençóis.   Tal informação  e pela constatação das filmagens em poder da PF revela o suposto crime praticado pelos agentes já que a primeira prisão de Carlos Miguel só aconteceu, formalmente, cinco meses depois.

Foi no dia 16 de outubro, quando o português, segundo seu relato ao MPF na delação premiada, teria sofrido uma segunda tentativa extorsão dos policiais. Estes teriam ecigido dele a quantia de R$ 25 mil e como Carlos Miguel não pagou, acabou preso.

No dia 2 de junho de 2016, Carlos Miguel voltou a ser preso também por policiais da DCTD pelo mesmo motivo: a venda de anabolizantes.

Em um dos diálogos via celular captados  pela PF (com a devida autorização judicial) envolvendo dois policiais investigados, eles falam sobre uma extorsão. Um deles cita o quanto lucrou e o outro responde: “por que tu não pediu mais dinheiro, então?